Num ano em que mais de 100 filmes nacionais entram em cartaz no circuito comercial do país, a Liga Dos Blogues Cinematográficos decidiu criar um prêmio para celebrar o cinema brasileiro. O Carlão, batizado em homenagem ao cineasta Carlos Reichenbach, que já integrou os quadros do nosso grupo, homenageia a produção cinematográfica do país em 15 categorias dedicadas aos longa-metragens e uma para os curta-metragens.
A Liga dos Blogues Cinematográficos orgulhosamente apresenta.
filme
O último ano foi especial para o cinema brasileiro. Em quantidade e em qualidade. Os cinco filmes indicados ao Carlão de melhor filme representam muitos outros lançados ao longo do ano. O Que se Move ousou ao criar uma assinatura musical que deu uma identidade única ao filme. Educação Sentimental mostra um mestre do cinema marginal num de seus momentos mais maduros e sensíveis. Elena não nega a primeira pessoa e encontra nela uma forma de linguagem. Tatuagem traduz uma época de privação com um lirismo solar. E O Som ao Redor busca o novo para ecoar o velho. E, embora esteja ao lado de obras tão únicas, não houve outro filme mais importante em 2013. O filme de Kleber Mendonça Filho discutiu a classe média, os ruídos nossos de cada dia, os fantasmas do colonialismo, a formação do Brasil. Foi parar nas mesas de bar, nas reuniões de condomínio, bancas de jornal, salas de grandes executivos, na imprensa e nos blogues de cinema.
direção
“Antes de estrear na direção de longas-metragens, Kleber Mendonça Filho já havia demonstrado sensibilidade e inteligência em diversos curtas, seja do gênero horror (Vinil Verde, 2004), seja para falar de amor (Noite de Sexta, Manhã de Sábado, 2006). Esses e outros interessantes curtas podem ser visualizados em O Som ao Redor, que oferece um painel das relações de um grupo de pessoas que moram no mesmo bloco de uma zona nobre de Recife. O amor do diretor pelo cinema de horror e seu apreço pelos cinemas de rua hoje fechados também comparecem nesta obra que se propõe a enfatizar um elemento que seria tratado como puramente técnico: o som.” [Ailton Monteiro, Diário de um Cinéfilo]
ator
“É consensual: Irandhir Santos é hoje o rosto do atual cinema independente brasileiro. Protagonista em dois dos mais representativos filmes de 2013, O Som ao Redor e Tatuagem, o ator pernambucano consegue ter completo domínio técnico de seu ofício e, simultâneo a isso, uma poesia própria que entrega a todos os personagens vestidos por ele. Como Clécio, no filme de Hilton Lacerda, ele é a práxis e a epifania em um mesmo corpo, o ator gigante interpretando outro ator não menos colossal.” [Carol Almeida, Fora de Quadro]
atriz
“O cinema de Aïnouz é daqueles que aproximam sempre a câmera de seus protagonistas, acompanhando-os constantemente ao longo de sua jornada. Em O Abismo Prateado, a tela captura de muito perto a descida ao desespero de uma dona de casa deixada pelo marido. Alessandra Negrini vive de forma intensa e impactante a fragilidade de Violeta, cuja noção de segurança se transforma rapidamente em ruínas dentro de seu próprio mundo. Embora o filme se perca em seu último ato, é a excelente performance emocional da atriz que norteia e acaba validando a produção.” [Leonardo Maran Neiva, Cine Login]
ator coadjuvante
“‘Eu sou artista, meu filho. Ator’. Das provocações mais carregadas de tinta a um momento de acerto de contas, de amigo para amigo, de homem para homem, intimista, Paulete pontua Tatuagem com muita personalidade. Quando há graça, ele rouba um sorriso. Quando fala serio, ele se faz compreender. É um ponto de equilíbrio e também de confronto dentro da liberdade do Chão de Estrelas. Paulete quer a liberdade da liberdade, quer tanto não ter limites que quase tropeça. É generosa, se constrói nos detalhes artesanais das linhas de costura, da maquiagem, do cabelo esvoaçante, indomável. Os olhos brilham, choram quando sentem dor, revelando o fio fino das relações. Paulete é um delicioso exagero que o Rodrigo Garcia nos permitiu espiar.” [Egídio La Pasta, Mínimos Óbvios]
atriz coadjuvante
“Maeve Jinkings é ‘A Atriz A Ser Descoberta’ do momento. Em O Som ao Redor ela conjuga muito bem o binômio naturalidade/medo da proposta dramática, transitando entre a coloquialidade diária e o crescente estado de tensão com a qual Kleber Mendonça Filho pinta sua obra e faz de Maeve sua principal arma, ao qual ela responde com o máximo de expressividade e talento.” [Francisco Carbone, CinePlayers]
elenco
“O empate entre estas duas pérolas do cinema pernambucano contemporâneo desvela uma diversidade que perpassa extremos: de um lado, a vivacidade, a “greia” pernambucana e os desbundes de um elenco corajoso em se desnudar (literal e metaforicamente) no filme de Hilton Lacerda; de outro, os debates em torno da apatia, languidez e indiferença que metaforizam a ausência de sentido na configuração humana da rua suburbana de Setúbal por Kleber Mendonça Filho.” [Márcio Andrade, Audio Mira Vel Mundo]
cena do ano
“Embora seja um drama urbano sem referência direta ao sobrenatural, a atmosférica encenação de Um Som ao Redor, com seu decisivo uso do extracampo e do entorno, nos remete a cineastas como Carpenter e Tourneur – e por isso, também ao cinema de horror. Portanto, não é surpresa que a melhor cena do filme venha a ser justamente um pesadelo. Da entrega ao fantástico permitida por este inconsciente fluxo onírico, recebemos a chave para a compreensão de todo processo histórico que fundamenta a sensação de medo constante, perfeitamente simbolizado aqui pela água que se transforma em sangue enquanto o homem banha seu corpo numa cachoeira”. [Daniel Dalpizzolo, Assim Está Escrito]
curta-metragem
“Após colocar em cena os brilhantes Fantasmas do passado conjurados pela arte fantasma do cinema, Novais procurou outras sombras, de outro dispositivo: a projeção que vaza até o cotidiano do diretor, fazendo do teto uma tela. O cotidiano da rua é projetado no cinema do teto, e de maneira análoga, o cinema público projeta a vida privada (recortada pelo cinema) de André. A cena cinematográfica mineira começa a formar seu próprio sotaque de Mumblecore, trocando os Whys pelos Uais.” [Ana Clara Matta, Ovo de Fantasma]
diretor revelação
“Recife, a capital que mais cresceu verticalmente nos últimos anos no Brasil. Este símbolo de “modernidade” espelha o Brasil de relações arcaicas em um filme de cotidiano (e ao mesmo tempo, de terror) sobre a classe-média cercada pela impessoalidade. E somente um residente como Kleber Mendonça Filho poderia usar a cidade como pano de fundo de força simbólica muito grande e que de certa forma encerra o ciclo iniciado nos curtas Eletrodoméstica, de 2005, e Recife Frio, de 2009.” [Pedro Tavares, CinemaORama]
roteiro
“A simplicidade aparente no retrato de uma rua que acaba por destrinchar uma cidade, uma classe, um Brasil. O roteiro, enfocando personagens familiares em seu dia-a-dia melancólico, pega de surpresa ao revelá-los para além de alegorias, representações contumazes de figuras de um país que mudou, mas nem tanto. Versando sobre a herança colonial, a insegurança existencial, a sanha securitária individualista, e a feroz inter-relação de tudo isso, O Som ao Redor desenha uma classe média brasileira que parece desconhecer – ou negar que tem – uma nova identidade velha.” [Walter Porto, Escrevendo no Escuro]
fotografia
“A fotografia de O Som ao Redor sustenta o estudo feito pelo filme de como a classe média interage em suas próprias construções urbanas. Os planos ressaltam a imponência intimidante e a claustrofobia dos muros, transformando aquela rua em um país de leis específicas e todos aqueles que vem de fora em estrangeiros”. [Cesar Castanha, Milos Morpha]
montagem
“Para além das dificuldades de se construir uma narrativa-painel a partir de muitas pequenas histórias, o grande desafio enfrentado pelos montadores de O Som ao Redor é fazer o espectador entender que esse é um filme que não fala só do presente da classe média recifense, mas que, através dela, lança um olhar macro para a constituição histórica das elites brasileiras, para as continuidades do passado no presente. Nesse sentido, com suas brilhantes inserções inesperadas de imagens “velhas” e de momentos chupados do cinema de horror, o trabalho dos montadores João Maria e Kleber Mendonça Filho (também diretor e roteirista) é irretocável.” [Wallace Andrioli, Crônicas Cinéfilas]
direção de arte
“O que Tatuagem traz ao cinema brasileiro é a capacidade de ser tão belamente multifacetado: é divertido sem ser esquecível e reflexivo sem ser pedante. As nuances de personagens como Clécio, Fininha e Paulete formaram o encaixe perfeito com os talentosíssimos Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa e Rodrigo Garcia, além de contribuir decisivamente com a identidade de um filme que, passado durante o período da ditadura e focado numa comunidade de artistas, poderia facilmente cair em alguns clichês. Com generosas pitadas de um humor inteligente, Tatuagem garante risadas que o espectador lembra muito tempo depois de ter assistido ao filme.” [Susy Freitas, Cine Set]
trilha sonora
“Há um amálgama claro que dá liga a todos outros elementos de Tatuagem: a música, força-motor na construção dos espetáculos do Chão de Estrelas, veículo da alegria e da dor. Helder Aragão, o DJ Dolores, faz aqui seu melhor trabalho no cinema, construindo um verdadeiro score com sua já conhecida habilidade no tratamento de ritmos, ruídos e climas, só que dessa vez com uma inegável unidade. A música se expande do Chão de Estrelas, ecoa nos outros ambientes e convida a todos para a celebração absurda da “Polka do Cu”. Um momento de ousadia rara no cinema brasileiro recente, que justamente por causa dessa mesma raridade nos faz perguntar por que ficamos tão pudicos.” [Milton do Prado, Amor Louco]
som
“Não é de se surpreender que seja tão pensando o som de um filme que valoriza este meio em seu próprio nome. Mas isso não seria garantia de alta qualidade, e o que vemos é que Kleber Mendonça Filho privilegiou os mais variados sons para construir aquele pequeno universo que espelha raízes de uma sociedade em geral. Do andar de um skate, bicicleta, ao sons dos latidos do cão, o som incomodo que assombram as cenas noturnas da milícia Um ar de crepúsculo, que caminha para o inevitável embate de nossa história com sua elite.” [Guilherme Martins, Festim Diabólico]
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